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sexta-feira, 18 de agosto de 2023

Propriedades dos neutrinos em supernovas

Num novo estudo, pesquisadores deram um passo importante para compreender como as estrelas em explosão podem ajudar a revelar como os neutrinos, misteriosas partículas subatômicas, interagem secretamente entre si.

© OSU (ilustração de neutrinos gerados por supernovas)

Os neutrinos, que são das partículas elementares menos bem compreendidas, raramente interagem com a matéria normal e, ao invés, viajam invisivelmente através dela quase à velocidade da luz. Estas partículas fantasmagóricas são mais numerosas do que todos os átomos do Universo e estão sempre passando inofensivamente pelos nossos corpos, mas devido à sua baixa massa e à ausência de carga elétrica, podem ser incrivelmente difíceis de encontrar e de estudar. 

No entanto, pesquisadores da Universidade do Estado do Ohio estabeleceram um novo quadro que explica como as supernovas, explosões massivas que anunciam a morte de estrelas em colapso, podem ser utilizadas como ferramentas poderosas para estudar a forma como as autointerações dos neutrinos podem causar vastas alterações cosmológicas no Universo.

Os neutrinos têm apenas taxas de interação muito pequenas com a matéria típica, pelo que é difícil detectá-los e testar as suas propriedades. É por isso que temos de usar a astrofísica e a cosmologia para descobrir fenômenos interessantes sobre eles. Considerados importantes para a formação do Universo primitivo, os neutrinos continuam intrigantes, apesar de se saber que têm origem em várias fontes, como reatores nucleares ou no interior de estrelas moribundas. 

Mas, calculando a forma como as autointerações afetariam o sinal de neutrinos da SN 1987A, a supernova mais próxima observada nos tempos modernos, os astrofísicos descobriram que, quando os neutrinos interagem entre si, formam um fluido fortemente acoplado que se expande sob a hidrodinâmica relativista, um ramo da física que lida com a forma como os fluxos afetam os objetos sólidos de duas maneiras diferentes. 

No caso do chamado "fluxo de explosão", a equipe teoriza que, tal como rebentar um balão altamente pressurizado no vácuo do espaço empurraria a energia para fora, uma explosão produz um fluido de neutrinos que se move em todas as direções. O segundo caso, descrito como um "fluxo de vento", imagina um balão altamente pressurizado com muitos bocais, onde os neutrinos escapam a um ritmo mais constante, semelhante a um jato de vento constante.

Embora a teoria do fluxo de vento seja mais provável de ocorrer na natureza, se o caso da explosão se concretizar, os cientistas poderão ver novas assinaturas observáveis de neutrinos emitidas por supernovas, permitindo uma sensibilidade sem precedentes nas autointerações dos neutrinos. 

Uma das razões pelas quais é tão vital compreender estes mecanismos é que se os neutrinos estão agindo como um fluido, isso significa que estão atuando em conjunto. E se as propriedades dos neutrinos são diferentes como um coletivo do que individualmente, então a física das supernovas também pode sofrer alterações. Mas ainda não se sabe se estas alterações se devem apenas ao caso da explosão ou ao caso do fluxo de vento.

A dinâmica das supernovas é complicada, mas este resultado é prometedor porque, com a hidrodinâmica relativista, sabemos que há uma bifurcação na compreensão do seu funcionamento atual. Ainda assim, é necessário fazer mais estudos antes dos cientistas poderem excluir a possibilidade de o caso da explosão ocorrer também no interior das supernovas. 

Apesar destas incertezas, o estudo é um grande marco na resposta a uma questão astrofísica com décadas de existência: como é que os neutrinos se dispersam quando são ejetados das supernovas?

Este estudo descobriu que, no caso da explosão, é possível uma sensibilidade sem precedentes às autointerações dos neutrinos, mesmo com dados esparsos de neutrinos da SN 1987A e pressupostos de análise conservadores. 

Este problema permaneceu praticamente intocado durante 35 anos. No futuro, a equipe espera que o seu trabalho seja usado como um trampolim para investigar melhor as autointerações dos neutrinos. No entanto, uma vez que, na Via Láctea, só ocorrem cerca de duas ou três supernovas por século, é provável que os pesquisadores tenham de esperar décadas para recolher suficientes dados de neutrinos e assim provar as suas ideias.

Um artigo foi publicado no periódico Physical Review Letters

Fonte: Ohio State University

sábado, 3 de junho de 2023

Um raro decaimento do bóson de Higgs

A descoberta do bóson de Higgs no Large Hadron Collider (LHC) do CERN em 2012 marcou um marco significativo na física de partículas.


© V. H. Visions (decaimento do bóson de Higgs)

Desde então, as colaborações ATLAS e CMS têm investigado diligentemente as propriedades desta partícula única e buscado estabelecer as diferentes maneiras pelas quais ela é produzida e se decompõe em outras partículas. 

Na conferência Large Hadron Collider Physics (LHCP), ATLAS e CMS relatam como se uniram para encontrar a primeira evidência do raro processo no qual o bóson de Higgs decai em um bóson Z, o portador eletricamente neutro da força fraca, e um fóton, o portador da força eletromagnética. Este decaimento do bóson de Higgs pode fornecer evidências indiretas da existência de partículas além daquelas previstas pelo Modelo Padrão da física de partículas. 

O decaimento do bóson de Higgs em um bóson Z e um fóton é semelhante ao decaimento em dois fótons. Nestes processos, o bóson de Higgs não decai diretamente nestes pares de partículas. Em vez disso, os decaimentos ocorrem por meio de um "loop" intermediário de partículas "virtuais" que surgem e desaparecem e não podem ser detectadas diretamente. Estas partículas virtuais podem incluir partículas novas, ainda não descobertas, que interagem com o bóson de Higgs. 

O Modelo Padrão prevê que, se o bóson de Higgs tiver uma massa de cerca de 125 bilhões de elétron-volts, aproximadamente 0,15% dos bósons de Higgs decairão em um bóson Z e um fóton. Mas algumas teorias que estendem o Modelo Padrão preveem uma taxa de decaimento diferente. Medir a taxa de decaimento, portanto, fornece informações valiosas sobre a física além do Modelo Padrão e a natureza do bóson de Higgs. 

Anteriormente, usando dados de colisões próton-próton no LHC, o ATLAS e o CMS conduziram independentemente extensas pesquisas para o decaimento do bóson de Higgs em um bóson Z e um fóton. Ambas as buscas usaram estratégias semelhantes, identificando o bóson Z por meio de seus decaimentos em pares de elétrons ou múons (versões mais pesadas de elétrons). Estes decaimentos do bóson Z ocorrem em cerca de 6,6% dos casos.

Nestas buscas, os eventos de colisão associados a este decaimento do bóson de Higgs (o sinal) seriam identificados como um pico estreito, sobre um fundo suave de eventos, na distribuição da massa combinada dos produtos de decaimento. Para aumentar a sensibilidade ao decaimento, o ATLAS e o CMS exploraram os modos mais frequentes em que o bóson de Higgs é produzido e categorizaram os eventos com base nas características destes processos de produção. Foram também usadas técnicas avançadas de aprendizado de máquina para distinguir ainda mais entre eventos de sinal e de fundo. 

Em um novo estudo, o ATLAS e o CMS uniram forças para maximizar o resultado de suas buscas. Ao combinar os conjuntos de dados coletados por ambos os experimentos durante a segunda execução do LHC, que ocorreu entre 2015 e 2018, as colaborações aumentaram significativamente a precisão estatística e o alcance de suas pesquisas. Este esforço colaborativo resultou na primeira evidência do decaimento do bóson de Higgs em um bóson Z e um fóton. O resultado tem uma significância estatística de 3,4 desvios padrão, abaixo do requisito convencional de 5 desvios padrão para reivindicar uma observação. A taxa de sinal medida é 1,9 desvios padrão acima da previsão do Modelo Padrão.

Cada partícula tem uma relação especial com o bóson de Higgs, tornando a busca por raros decaimentos de Higgs uma alta prioridade. A existência de novas partículas pode ter efeitos muito significativos nos raros modos de decaimento do Higgs. Este estudo é um teste poderoso do Modelo Padrão. Com a terceira execução em curso do LHC e o futuro LHC de alta luminosidade, será possível melhorar a precisão deste teste e sondar decaimentos de Higgs cada vez mais raros.

Fonte: CERN

sábado, 20 de agosto de 2022

O próton contém um quark charm?

A descrição num livro didático sobre um próton diz que ele contém três partículas menores, dois quarks up e um quark down, mas uma nova análise encontrou fortes evidências de que ele também contém um quark charm.

© CERN (ilustração de um próton)

O próton, uma partícula encontrada no coração de cada átomo, parece ter uma estrutura mais complicada do que a tradicionalmente apresentada nos livros didáticos. A descoberta pode ter ramificações para experimentos de física de partículas sensíveis, como o Grande Colisor de Hádrons (LHC). 

Enquanto os prótons já foram considerados indivisíveis, experimentos com aceleradores de partículas na década de 1960 revelaram que eles continham três partículas menores, chamadas quarks. Os quarks possuem seis tipos, ou sabores: up, down, top, bottom, charm e strange. Eles geralmente se combinam em grupos de dois e três para formar hádrons, como os prótons e nêutrons que compõem os núcleos atômicos. Uma partícula subatômica composta por um quark e um antiquark de carga de cor oposta formam os mésons. Mais raramente, no entanto, eles também podem se combinar em partículas de quatro (tetraquarks) e cinco quarks (pentaquarks). Estes hádrons exóticos foram previstos por teóricos ao mesmo tempo que os hádrons convencionais, cerca de seis décadas atrás, mas apenas recentemente, nos últimos 20 anos, eles foram observados pelo LHCb e outros experimentos.

A colaboração internacional do LHCb observou, no mês passado, três partículas em decaimentos de mésons B nunca antes vistas: um novo tipo de pentaquark e o primeiro par de tetraquarks, que inclui um novo tipo de tetraquark. As descobertas, apresentadas num seminário do European Organization for Nuclear Research (CERN), adicionam três novos membros exóticos à crescente lista de novos hádrons encontrados no LHC. Eles ajudarão os físicos a entender melhor como os quarks se unem nestas partículas compostas.

Na mecânica quântica, a estrutura de uma partícula é governada por probabilidades, o que significa que teoricamente há uma chance de que outros quarks possam surgir dentro do próton na forma de pares matéria-antimatéria. Um experimento da European Muon Collaboration no CERN em 1980 sugeriu que o próton poderia conter um quark charm e seu equivalente de antimatéria, um anticharm, mas os resultados foram inconclusivos e muito debatidos. Houve outras tentativas de identificar o componente de charme do próton, mas diferentes grupos encontraram resultados conflitantes e tiveram dificuldade em separar os blocos de construção intrínsecos de um próton do ambiente de alta energia dos aceleradores de partículas, onde todo tipo de quark é criado e destruído em rápida sucessão.

Agora, Juan Rojo, da Vrije University Amsterdam, na Holanda, e seus colegas encontraram evidências de que uma pequena parte do momento do próton, cerca de 0,5%, vem do quark charm.

Para isolar o componente do quark charm, Rojo e sua equipe usaram um modelo de aprendizado de máquina para criar estruturas hipotéticas de prótons consistindo em todos os diferentes tipos de quarks e depois as compararam com mais de 500.000 colisões do mundo real de décadas de experimentos com aceleradores de partículas, incluindo no LHC. 

Os pesquisadores descobriram que, se o próton não contiver um par de quarks charm-anticharm, há apenas 0,3% de chance de ver os resultados que examinaram. Este resultado significa 3-sigma, que normalmente é visto como um sinal potencial de algo interessante. Mais trabalho é necessário para aumentar os resultados para o nível de 5-sigma, o que significa cerca de 1 em 3,5 milhões de chance de um resultado por acaso, que é tradicionalmente o limite para uma descoberta.

A equipe analisou os resultados recentes do experimento LHCb Z-boson e modelou a distribuição estatística do momento do próton com e sem um quark charm. Eles descobriram que o modelo combinava melhor com os resultados se o próton fosse assumido como tendo um quark charm. Isso significa que eles estão mais confiantes em propor a presença de um quark charm do que o nível sigma por si só sugere. 

Dada a onipresença desta partícula e há quanto tempo a conhecemos, ainda há muito que não entendemos sobre sua subestrutura. O observatório de neutrinos IceCube na Antártida, que procura neutrinos raros produzidos quando raios cósmicos atingem partículas na atmosfera da Terra, também pode precisar levar em conta esta nova estrutura. A probabilidade de um raio cósmico impactar um núcleo atmosférico e produzir neutrinos é bastante sensível a presença de um quark charm do próton.

Um artigo foi publicado na revista Nature

Fonte: New Scientist

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Descoberta partícula exótica de longa vida

O experimento LHCb (Large Hadron Collider beauty) no CERN (European Organization for Nuclear Research) apresentou uma nova descoberta na Conferência da Sociedade Física Europeia sobre Física de Altas Energias.

© CERN (tetraquark Tcc+)

A nova partícula descoberta pelo LHCb, rotulada como Tcc+, é um tetraquark, um hádron exótico contendo dois quarks e dois antiquarks. É a partícula de matéria exótica de vida mais longa já descoberta. 

Os quarks são os blocos de construção fundamentais a partir dos quais a matéria é construída. Eles se combinam para formar hádrons, ou seja, bárions, como o próton e o nêutron, que consistem em três quarks, e os mésons, que são formados como pares quark-antiquark. 

Nos últimos anos, vários dos chamados hádrons exóticos, partículas com quatro ou cinco quarks, em vez dos convencionais dois ou três, foram encontrados. A descoberta é de um hádron exótico particularmente único. A nova partícula contém dois quarks charm e um antiquark up e um antiquark down. Vários tetraquarks foram descobertos nos últimos anos (incluindo um com dois quarks charm e dois antiquarks charm), mas este é o primeiro que contém dois quarks charm, sem antiquarks charm para equilibrá-los.

Partículas contendo um quark charm e um antiquark charm têm “charmo culto”, o número quântico charm de toda a partícula é igual a zero. Aqui, o número quântico charm soma dois, portanto, tem o dobro de charm!

O conteúdo quark do Tcc+ possui outras características interessantes além de ser um charm aberto. É a primeira partícula a ser encontrada pertencente a uma classe de tetraquarks com dois quarks pesados e dois antiquarks leves. Estas partículas decaem ao se transformar em um par de mésons, cada um formado por um dos quarks pesados e um dos antiquarks leves.

De acordo com algumas previsões teóricas, a massa dos tetraquarks deste tipo deve ser muito próxima da soma das massas dos dois mésons. Tal proximidade em massa torna o decaimento “difícil”, resultando em uma vida útil mais longa da partícula e, de fato, a partícula Tcc+ é o hádron exótico de vida mais longa encontrado até hoje. 

A descoberta abre caminho para a busca por partículas mais pesadas do mesmo tipo, com um ou dois quarks charm substituídos por quarks bottom. A partícula com dois quarks bottom é especialmente interessante: de acordo com os cálculos, sua massa deveria ser menor que a soma das massas de qualquer par de mésons B. Isto tornaria o decaimento não apenas improvável, mas realmente proibido: a partícula não seria capaz de decair por meio da interação forte e teria que fazê-lo por meio da interação fraca, o que tornaria seu tempo de vida várias ordens de magnitude mais longo do que o de qualquer hádron exótico observado anteriormente. 

O novo tetraquark Tcc+ é um alvo atraente para estudos futuros. As partículas nas quais ele decai são comparativamente fáceis de detectar e, em combinação com a pequena quantidade de energia disponível no decaimento, isto leva a uma excelente precisão em sua massa e permite o estudo dos números quânticos desta partícula fascinante. Isto, por sua vez, pode fornecer um teste rigoroso para modelos teóricos existentes e pode até mesmo permitir que efeitos anteriormente inalcançáveis sejam sondados. 

Fonte: CERN

terça-feira, 31 de agosto de 2021

Gerando matéria colidindo partículas de luz

Dois experimentos realizados no laboratório Laboratório Nacional de Brookhaven, nos EUA, forneceram evidências definitivas para dois fenômenos da físicas previstos teoricamente há quase oitenta anos.

© Brookhaven National Laboratory (detector STAR do RHIC)

As descobertas foram feitas por meio de uma análise detalhada de mais de 6 mil pares de elétrons e pósitrons produzidos em colisões de partículas no acelerador de partículas Relativistic Heavy Ion Collider (RHIC). 

Em um primeiro experimento, cientistas provaram que pares de elétrons e pósitrons, partículas de matéria e antimatéria, podem ser criados diretamente pela colisão de fótons muito energéticos. Esta conversão da luz com muita energia em matéria é uma consequência direta da famosa equação E = mc^2 de Einstein, segundo a qual energia e matéria (ou massa) são intermutáveis. Por exemplo, usinas nucleares convertem regularmente matéria em energia. Agora, os cientistas converteram a energia da luz diretamente em matéria em uma única etapa. 

Já o segundo experimento mostrou pela primeira vez que a curvatura do caminho da luz que viaja através de um campo magnético no vácuo depende do modo como a luz é polarizada. Este desvio dependente da polarização, também conhecido como birrefringência, ocorre quando a luz viaja através de certos materiais. O efeito é semelhante à dupla refração dependente do comprimento de onda que divide a luz branca nas demais cores do espectro.

Para a realização de ambos os experimentos, as capacidades do detector STAR do RHIC , o Solenoid Tracker no RHIC, foram essenciais. O equipamento é capaz de medir a distribuição angular das partículas produzidas em colisões de íons numa velocidade próxima à da luz. 

No ano de 1934, os físicos Gregory Breit e John A. Wheeler descreveram a possibilidade hipotética de colidir partículas de luz para criar pares de elétrons e suas contrapartes de antimatéria, conhecidas como pósitrons. Eles já percebiam que isso era quase impossível de fazer. Mas Breit e Wheeler propuseram uma alternativa: acelerar íons pesados. E a alternativa deles é exatamente o que está sendo feito no RHIC.

Um íon de ouro, com 79 prótons, carrega uma poderosa carga positiva. Acelerar este íon a velocidades muito altas gera um poderoso campo magnético. Este gira em torno da partícula em alta velocidade enquanto ela viaja. É como uma corrente fluindo através de um fio. Se a velocidade for alta o suficiente, a força do campo magnético circular pode ser igual à força do campo elétrico perpendicular. E este arranjo de campos consiste no fóton, uma “partícula” quantizada de luz. Então, quando os íons estão se movendo perto da velocidade da luz, há um monte de fótons ao redor do núcleo de ouro. Eles o acompanham como uma nuvem.

No RHIC, os cientistas aceleram os íons de ouro a 99,995% da velocidade da luz em dois anéis aceleradores. Surgem duas nuvens de fótons movendo-se em direções opostas com energia e intensidade suficientes para que, quando os dois íons passem um pelo outro sem colidir, estes campos de fótons possam interagir. 

Os físicos do STAR rastrearam as interações e procuraram os pares elétron-pósitron previstos. Outros cientistas tentaram criar pares elétron-pósitron a partir de colisões de luz usando lasers poderosos, ou seja, feixes focalizados de luz intensa. Mas os fótons individuais dentro destes feixes intensos ainda não têm energia suficiente. 

Anteriormente, um experimento no SLAC National Accelerator Laboratory em 1997 foi bem-sucedido usando um processo não linear. Os cientistas primeiro tiveram que aumentar a energia dos fótons em um feixe de laser, para, em seguida, provocar uma colisão com um poderoso feixe de elétrons. Desta maneira, as colisões dos fótons energizados em um enorme campo eletromagnético criado por laser produziram matéria e antimatéria.

A capacidade do STAR de medir as minúsculas refrações duplas de elétrons e pósitrons, produzidas quase que consecutivamente nestes eventos, também possibilitou que os físicos estudassem como as partículas de luz interagem com os poderosos campos magnéticos gerados pelos íons acelerados. 

“A nuvem de fótons em torno dos íons de ouro em um dos feixes de RHIC dispara na direção do forte campo magnético circular produzido no outro feixe. Observar a distribuição das partículas que saem da nuvem mostra como a luz polarizada interage com o campo magnético. 

Werner Heisenberg e Hans Heinrich Euler, em 1936, e John Toll, na década de 1950, previram que um vácuo do espaço vazio poderia ser polarizado por um poderoso campo magnético. Este vácuo polarizado, então, deveria desviar os caminhos dos fótons dependendo da polarização destes. Toll, em sua tese, também detalhou como a absorção de luz por um campo magnético depende da polarização e de sua conexão com o índice de refração da luz no vácuo. Esta birrefringência foi observada em muitos tipos de cristais. Além disso, um recente relatório registrou a curvatura da luz proveniente de uma estrela de nêutrons. É provável que o fenômeno tenha acontecido devido a interações dessa luz com o campo magnético da estrela. Mas, até o momento, nenhum experimento com base na Terra havia conseguido detectar a ocorrência da birrefringência no vácuo.

No RHIC, os cientistas mediram como a polarização da luz afetava se a luz era “absorvida” pelo campo magnético. Isso é semelhante ao modo como os óculos de sol polarizados bloqueiam a passagem de certos raios se eles não corresponderem à polarização das lentes. No caso dos óculos de sol, além de vermos uma menor quantidade de luz passar, é possível, a princípio, medir um aumento na temperatura do material da lente à medida que ele absorve a energia da luz bloqueada.

No RHIC, a energia luminosa absorvida é o que cria os pares elétron-pósitron. Os produtos produzidos pelas interações fóton-fóton no RHIC, possibilita verificar que a distribuição angular dos produtos depende do ângulo de polarização da luz. Isso indica que a absorção da luz depende de sua polarização. 

Os resultados foram publicados no periódico Physical Review Letters.

Fonte: Scientific American

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Revelando novas partículas elementares

Após duas década de espera, que incluíram uma longa batalha para obter financiamento e uma mudança para o outro lado do continente, um experimento sobre múons está prestes a revelar seus resultados.

© Fermilab (experimento Muón g-2)

Estas são partículas semelhantes ao elétron, porém de maior massa e mais instáveis. Os físicos esperam que as mais recentes medidas sobre o magnetismo do múon confirme achados anteriores que podem levar à descoberta de novas partículas.

A divulgação da conclusões do estudo está prevista para o dia 7 de abril. A pesquisa, intitulada experimento Múon g–2, que agora acontece no Fermilab (Fermi National Accelerator Laboratory), um laboratório especializado em física de partículas de alta energia localizado nos EUA, já havia sido realizado anteriormente entre 1997 e 2001 no Laboratório Nacional de Brookhaven em Long Island, Nova York.

Os resultados originais, anunciados em 2001 e finalizados em 2006, geraram controvérsia entre os físicos. Eles revelaram que o momento magnético do múon, que indica o tamanho do campo magnético gerado, é levemente maior do que o previsto pela teoria. Caso estes resultados sejam confirmado, no anúncio da próxima semana ou em experimentos futuros, eles podem revelar a existência de novas partículas elementares.

O experimento Múon g–2 consegue medir o momento magnético da partícula ao promover sua movimentação em um círculo de 15 metros de diâmetro. Um imã poderoso mantém os múons em sua rota circular, ao mesmo tempo em que causa a rotação de seus polos magnéticos. Quanto maior for o momento magnético da partícula, mais rápido ela irá rodar, como um pião em precessão.

A discrepância em relação à teoria encontrada pelo experimento original era pequena. À primeira vista, a física quântica prevê que partículas elementares, como o múon e o elétron, possuem um momento magnético exatamente igual a 2 (a unidade de medida depende da partícula). No entanto, cálculos mais completos revelam variações deste valor, já que o espaço vazio jamais está completamente vazio. O espaço em volta do múon contém uma diversidade de partículas virtuais, versões efêmeras de partículas reais que aparecem e desaparecem continuamente, algo que altera o campo magnético do múon. 

Desta maneira, quanto maior for a variedades das partículas, maior será o impacto de suas versões virtuais no momento magnético. Isto significa que uma medição de alta precisão pode revelar evidências indiretas da existência de novas partículas, anteriormente desconhecidas aos cientistas. 

O momento magnético obtido é apenas levemente diferente de 2. Esta diferença é o que chamada g–2 . Em Brookhaven, os físicos descobriram que g–2 é igual a 0.0023318319. À época, este valor era maior do que a estimativa da contribuição das partículas virtuais conhecidas. A precisão da medição não era alta o suficiente para permitir que se afirmasse, com confiança, que a discrepância era real. Os resultados também vieram em um momento em que o campo parecia pronto para um período de descobertas explosivas.

O Grande Colisor de Hádrons (LHC) estava em construção na fronteira entre a Suíça e a França, e os teóricos acreditavam que ele descobriria um grande número de novas partículas. Mas, além da histórica descoberta do bóson de Higgs em 2012, o LHC não encontrou nenhuma outra partícula elementar. Além disso, seus dados descartaram muitos candidatos potenciais para partículas virtuais que poderiam ter inflado o momento magnético do múon. O LHC, no entanto, não descartou todas as explicações possíveis para a discrepância. Dentre estas explicações, está a de que não exista apenas um tipo de bósons de Higgs, e sim pelo menos dois.

Na ocasião do experimento de Brookhaven, o valor experimental para o momento magnético do múon teve que ser comparado com as previsões teóricas que vieram com incertezas relativamente grandes. Mas enquanto a melhor medição experimental de g–2 não mudou em 15 anos, a teoria evoluiu. 

No ano passado, uma grande colaboração, reuniu várias equipes de pesquisadores, cada um especializado em um tipo de partícula virtual, e publicou um valor de “consenso” para a constante fundamental. A discrepância entre os valores teóricos e experimentais não mudou. Também no ano passado, uma equipe chamada Colaboração Budapest-Marseille-Wuppertal sugeria um valor teórico para g-2 mais próximo do experimental. Ela se concentrou em uma fonte de incerteza na teoria, proveniente de versões virtuais de glúons, partículas transmissoras de força nuclear forte. Se seus resultados estiverem corretos, a lacuna entre a teoria e o experimento pode acabar não existindo. 

Os resultados podem não resolver a questão ainda. Graças a atualizações no aparelho, a equipe espera melhorar a precisão do g-2 em quatro vezes, em comparação com o experimento de Brookhaven. Mas, até agora, analisou apenas um ano dos dados coletados desde 2017, não o suficiente para que a margem de erro seja mais estreita. Ainda assim, se a medição for muito parecida com a original, a confiança neste resultado vai melhorar. Se o Fermilab finalmente confirmar a surpresa de Brookhaven, a comunidade científica provavelmente exigirá outra confirmação independente. Isso poderia vir de uma técnica desenvolvida no Complexo de Pesquisa do Acelerador de Prótons do Japão (J-PARC), que mede o momento magnético do múon de modo radicalmente diferente.

Fonte: Scientific American

sábado, 13 de fevereiro de 2021

Partículas fundamentais ainda desconhecidas

Um experimento revelou um inesperado comportamento quântico em um material isolante, e pode indicar a existência de uma nova classe de partículas ainda desconhecida.

© Princeton University (isolador de ditelureto de tungstênio)

O fenômeno quântico em questão é conhecido como oscilação quântica, e foi observado em um corpo isolador feito de um material chamado de ditelureto de tungstênio. A teoria quântica atualmente aceita diz que materiais isoladores não poderiam apresentar nenhuma forma de comportamento quântico. Em geral, esta oscilação pode ser observada em metais.

“Se nossas interpretações estiverem corretas, estamos vendo uma forma fundamentalmente nova de matéria quântica,” diz Sanfeng Wu, professor assistente de física na Universidade Princeton. “Estamos agora ponderando que pode existir um mundo quântico inteiramente novo, escondido nos isoladores. É possível que tenhamos deixado de notar isso durante as últimas décadas.” 

Durante muito tempo, a possibilidade de observar oscilações quânticas foi considerada como uma característica que distinguia metais e isoladores. Nos metais, os elétrons apresentam elevada mobilidade, e a resistividade do material, isto é, a resistência à corrente elétrica, é fraca. Quase um século atrás, os pesquisadores observaram que a combinação de baixas temperaturas com um campo magnético pode fazer com que os elétrons passem de um estado “clássico” para um estado quântico, causando oscilações na resistividade do metal. 

Já nos corpos capazes de agir como isoladores os elétrons não conseguem se deslocar, pois os materiais de que são feitos possuem uma resistividade muito alta. As experiências sugeriam que não era possível ocorrer oscilações quânticas neles, não importando a intensidade de campo magnético aplicado. 

A descoberta foi feita quando os pesquisadores estudavam o material ditelureto de tungstênio, que eles manipularam de modo a formar um corpo bidimensional. O material foi preparado utilizando-se uma fita adesiva padrão de forma a conseguir raspar cada vez mais o objeto, buscando moldar o que é chamado de monocamada, que nada mais é do que uma camada única e muito fina, feita de átomos. 

Os pesquisadores constataram que quando o ditelureto de tungstênio é manipulado para um formato um pouco mais espesso, ele se comporta como um metal. Mas, assim que é reduzido a uma monocamada, ele apresenta uma poderosa capacidade de agir como isolante. 

Os pesquisadores então começaram a medir a resistividade da monocamada de ditelureto de tungstênio sob campos magnéticos. E se surpreenderam ao constatar que a resistividade do isolador, apesar de muito grande, começou a oscilar quando o campo magnético aumentava, indicando a mudança para o estado quântico, ou seja, o material, um isolador muito poderoso, passou a exibir a propriedade quântica mais característica de um metal.

Atualmente não existem teorias para explicar esse fenômeno. Wu e seus colegas apresentaram uma hipótese provocativa. Eles sugerem que o experimento fez com que os elétrons se organizassem, e destas interações estariam surgindo novas partículas, que nomearam como “férmions neutros”, por não possuírem carga elétrica. Seriam estas partículas as responsáveis por criar esse efeito quântico altamente notável. 

Férmion é o nome dado a uma categoria de partículas na qual estão incluídos os elétrons. Nos materiais com propriedades quânticas, os férmions podem ser tanto elétrons, dotados de carga negativa, ou “buracos” dotados de carga positiva responsáveis pela condução da corrente elétrica. Isto é, quando o material é um isolador elétrico, estes férmions carregados não conseguem se mover livremente. 

Entretanto, partículas que sejam neutras poderiam teoricamente existir em um isolador e se deslocar através dele. Os resultados experimentais conflitam com todas as teorias atuais que se baseiam na existência de férmions dotados de carga, mas poderiam ser explicados pela presença de férmions sem carga. 

A equipe de Princeton planeja novas investigações sobre as propriedades quânticas do ditelureto de tungstênio. Eles estão interessados especialmente em determinar se a hipotética existência de uma nova partícula é válida.

A descoberta foi apresentada na revista Nature.

Fonte: Scientific American

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Bóson de Higgs decai em dois múons

Na 40ª conferência do International Conference on High Energy Physics (ICHEP), os experimentos do ATLAS (A Toroidal LHC ApparatuS) e CMS (Compact Muon Solenoid) anunciaram novos resultados que mostram que o bóson de Higgs se decompõe em dois múons.


© CMS (decaimento do bóson de Higgs gerando dois múons) 

O múon é uma cópia mais pesada do elétron, com carga elétrica -1 e spin 1⁄2, uma das partículas elementares que constituem o conteúdo de matéria do Universo. Enquanto os elétrons são classificados como uma partícula de primeira geração, os múons pertencem à segunda geração. O processo físico do bóson de Higgs decaindo em múons é um fenômeno raro, pois apenas um bóson de Higgs em 5.000 decai em múons. Esses novos resultados têm extrema importância para a física fundamental, porque indicam pela primeira vez que o bóson de Higgs interage com partículas elementares de segunda geração.

Os físicos do CERN estudam o bóson de Higgs desde a sua descoberta em 2012, a fim de investigar as propriedades dessa partícula muito especial. O bóson de Higgs, produzido a partir de colisões de prótons no Large Hadron Collider (LHC), se desintegra, conhecido como decaimento, quase instantaneamente em outras partículas. Um dos principais métodos de estudo das propriedades do bóson de Higgs é analisando como ele se decompõe nas várias partículas fundamentais e na taxa de desintegração.

O CMS obteve evidência desse decaimento com 3 sigma, o que significa que a chance de ver o bóson de Higgs decaindo em um par de múons devido à flutuação estatística é menor que um em 700. O resultado de dois sigma do ATLAS significa que as chances são de um em 40. A combinação de ambos os resultados aumentaria a significância bem acima de 3 sigma e fornece fortes evidências para a deterioração do bóson de Higgs em dois múons, de acordo com a previsão do Modelo Padrão.

O bóson de Higgs é a manifestação quântica do campo de Higgs, que dá massa às partículas elementares com as quais ele interage, através do mecanismo de Brout-Englert-Higgs. Ao medir a taxa na qual o bóson de Higgs decai em diferentes partículas, é possível inferir a força de sua interação com o campo de Higgs: quanto maior a taxa de decaimento em uma determinada partícula, maior a sua interação com o campo. Até agora, as experiências ATLAS e CMS observaram o decaimento do bóson de Higgs em diferentes tipos de bósons, como W e Z, e férmions mais pesados, como o lépton tau e os quarks top e bottom. A interação com os quarks mais pesados, superior e inferior, foi medida em 2018. Os múons são muito mais leves em comparação e sua interação com o campo de Higgs é mais fraca. Portanto, as interações entre o bóson de Higgs e os múons não haviam sido vistas anteriormente no LHC.

O que torna esses estudos ainda mais desafiadores é que, no LHC, para cada bóson de Higgs previsto decaindo em dois múons, existem milhares de pares de múons produzidos por outros processos que imitam a assinatura experimental esperada. A assinatura característica do decaimento do bóson de Higgs para os múons é um pequeno excesso de eventos que se agrupam perto de uma massa de 125 GeV, que é a massa do bóson de Higgs. Isolar as interações entre o bóson de Higgs e o par de múons não é tarefa fácil. Para isso, os dois experimentos medem a energia, o momento e os ângulos dos candidatos a múons no decaimento do bóson de Higgs. Além disso, a sensibilidade das análises foi aprimorada por métodos como estratégias sofisticadas de modelagem de segundo plano e outras técnicas avançadas, como algoritmos de aprendizado de máquina. O CMS combinou quatro análises separadas, cada uma otimizada para categorizar eventos físicos com possíveis sinais de um modo de produção de bóson de Higgs específico. A ATLAS dividiu seus eventos em 20 categorias direcionadas a modos específicos de produção do bóson de Higgs.

Os resultados, até agora consistentes com as previsões do Modelo Padrão, usaram o conjunto completo de dados coletados na segunda execução do LHC. Com mais dados a serem gravados da próxima corrida do acelerador de partículas e com o LHC de alta luminosidade, as colaborações do ATLAS e do CMS esperam atingir a sensibilidade (5 sigma) necessária para estabelecer a descoberta do decaimento do bóson de Higgs para dois múons e restringir possíveis teorias da física além do modelo padrão que afetariam esse modo de decaimento do bóson de Higgs.

Fonte: CERN

quarta-feira, 3 de julho de 2019

A criação de plasma de quarks e glúons

Uma ínfima fração de segundo após o Big Bang, o Universo material era constituído por um plasma composto pelas partículas elementares conhecidas como quarks e glúons. É o que propõe o chamado modelo padrão sobre a origem do Universo.
© CERN/LHC (colisão de prótons com núcleos atômicos de chumbo)

Com a rápida expansão e o consequente resfriamento, aquele meio informe e intensamente dinâmico se fragmentou e cada pequeno conjunto de quarks e glúons deu origem a uma partícula composta, o hádron. Assim foram formados, por exemplo, os prótons, cada qual constituído por dois quarks do tipo up e um quark do tipo down (os dois tipos com as menores massas entre todos os quarks), interagindo por meio de glúons.

Essa situação primordial tem sido reproduzida no LHC, o Grande Colisor de Hádrons instalado no CERN, a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear, na fronteira entre a França e a Suíça, e também no RHIC, o Colisor Relativístico de Íons Pesados, instalado no Brookhaven National Laboratory, nos Estados Unidos.

As primeiras detecções do plasma de quarks e glúons foram feitas a partir da colisão de dois núcleos atômicos de elementos pesados, como chumbo e ouro. Agora, a colaboração ALICE, um dos grupos internacionais de pesquisadores que atua no LHC, obteve uma das “assinaturas” características do plasma de quarks e glúons por meio da colisão de prótons com núcleos de chumbo.

Esse resultado, conseguido a partir de precursores muito mais leves, foi alcançado graças ao altíssimo patamar de energia das partículas durante a colisão, de 5,02 TeV (5,02 teraelétrons-volt ou 5,02 x 1012 elétrons-volt).

O físico brasileiro Henrique Zanoli, que participa da colaboração ALICE, estudou essa colisão em seu trabalho de doutoramento.

“O experimento apresentou uma anisotropia azimutal na distribuição das partículas geradas pela colisão. Isso quer dizer que as partículas resultantes da colisão não foram produzidas nas mesmas quantidades em todas as direções. O padrão de distribuição dos elétrons que observamos é característico da assinatura do plasma de quarks e glúons,” disse Zanoli.

Segundo Zanoli, a produção de quarks pesados ocorreu em um momento em que a densidade de energia do sistema ainda estava extremamente alta, e sua evolução é uma interessante ferramenta para estudar a presença do plasma de quarks e glúons.

“Esses quarks pesados, que são produzidos antes do plasma e o atravessam, fornecem informações sobre o plasma, assim como uma emissão de pósitrons, que atravessa o corpo humano, fornece informações sobre esse corpo em uma tomografia. Se as partículas estudadas tivessem sido produzidas no fim do processo, essa analogia não seria válida e não poderíamos afirmar, com base no resultado final, quais são as características do plasma de quarks e glúons formado. Mas, como foram produzidos no início, os quarks pesados se tornam marcadores muito confiáveis,” acrescentou Zanoli.

O plasma de quarks e glúons é tema de muita pesquisa na atualidade. E isso principalmente por dois motivos. Primeiro, porque agora é possível produzir o plasma experimentalmente em colisores, como o LHC e o RHIC. Segundo, e essa é a maior motivação dos experimentos, porque possibilita compreender o Universo primordial e também o que ocorre em objetos astrofísicos, como as estrelas de nêutrons.

A produção do plasma de quarks e glúons em laboratório se tornou possível devido à altíssima densidade de energia alcançada nos grandes colisores da atualidade.

Um patamar de 5 TeV não é tão alto quando se pensa em um objeto macroscópico, constituído por uma quantidade enorme de partículas distribuídas em um grande volume. Mas, quando se divide 5 TeV pelo volume de um próton, o resultado é uma densidade energética a que somente agora a humanidade teve acesso em escala de laboratório.

Fonte: Physical Review Letters

segunda-feira, 30 de julho de 2018

A ligação do bóson de Higgs com o quark top

O tão esperado acoplamento do bóson de Higgs com o quark top foi, finalmente, obtido no Large Hadron Collider (LHC), o grande colisor de hádrons, situado na fronteira franco-suíça.

ilustração do campo Brout-Englert-Higgs

© CERN/D. Dominguez (ilustração do campo Brout-Englert-Higgs)

O evento foi detectado de forma independente pelas duas principais equipes internacionais que atuam no LHC: a CMS e a Atlas.

O resultado é uma robusta confirmação da acurácia do chamado Modelo Padrão da Física de Partículas, construído coletivamente desde o início dos anos 1960.

“Como o bóson de Higgs participa do processo que produz as massas de todas as partículas, esperava-se que ele interagisse com as partículas proporcionalmente às suas massas. Isto é, que quanto mais pesada a partícula, maior fosse sua interação com o bóson. Trata-se de uma característica muito específica, que, segundo o Modelo Padrão, apenas o bóson de Higgs possui. Então, investigar se isso realmente ocorre experimentalmente é uma maneira muito forte de corroborar o modelo”, disse Sérgio Novaes, professor titular da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e integrante da colaboração internacional CMS.

“Com as partículas leves, o acoplamento é pequeno e difícil de medir. Havia, portanto, uma grande expectativa em relação ao acoplamento do bóson de Higgs com o quark top, que é uma partícula muito pesada, mais pesada inclusive do que o próprio Higgs, com massa superior a 172 GeV/c2. Finalmente, conseguimos detectar e medir essa interação. E chegamos à conclusão de que, efetivamente, ocorre aquilo que havia sido predito pelo Modelo Padrão. O Higgs acopla-se proporcionalmente à massa do top. Foi uma grande confirmação do modelo”, disse Novaes.

A interação do bóson de Higgs com o quark top só foi possível devido ao aumento de energia do LHC. No evento em questão, a colisão de dois prótons gera um par quark-antiquark top (cada componente com mais de 172 GeV/c2) e um bóson de Higgs (com cerca de 125 GeV/c2). Isso corresponde quase à massa de 500 prótons. Então, no patamar atual de energia do colisor, de 13 TeV (13 trilhões de elétrons-volt), o choque de dois prótons produz massa equivalente a 500 prótons, e o restante da energia inicial manifesta-se sob a forma da energia das partículas produzidas. Aqui, vale lembrar que a energia se converte em massa, segundo a famosa equação de Einstein, E = m.c2, na qual E é a energia; m, a massa; e c, a velocidade da luz no vácuo.

Além disso, quanto maior a energia do colisor, maior a definição entre dois pontos observados. Com a energia atual do LHC, é possível diferenciar pontos situados a apenas 10-18 m. Para efeito de comparação, essa distância é um bilhão de vezes menor do que aquela na qual opera a nanotecnologia [10-9 m].

O bóson de Higgs – assim chamado em homenagem ao seu propositor, o físico britânico Peter Higgs, nascido em 1929 e Prêmio Nobel de Física de 2013 – foi incorporado ao Modelo Padrão na década de 1960, para resolver um problema teórico abstrato: que o modelo contivesse um ingrediente capaz de conferir massa às partículas que precisavam ter massa e, ao mesmo tempo, que permanecesse “renormalizável”, isto é, capaz de fazer predições.

Isso foi um dilema até que o físico norte-americano Steven Weinberg – ganhador do Prêmio Nobel de Física de 1979, junto com o paquistanês Abdus Salam e o norte-americano Sheldon Glashow – tivesse a ideia de agregar ao modelo o chamado “mecanismo de Higgs”.

“Não havia nenhuma evidência experimental da existência do bóson de Higgs. Sua proposição foi mais uma aventura teórica do que qualquer hipótese experimentalmente verificável. Tanto é que foram necessários 45 anos até a partícula ser finalmente detectada e anunciada, em 4 de julho de 2012”, disse Novaes.

A dificuldade da obtenção experimental é fácil de entender. Com massa de aproximadamente 125 GeV/c2, mais de 133 vezes a massa do próton, o bóson de Higgs é, depois do quark top, a segunda partícula mais massiva do Modelo Padrão. Sua produção, por uma ínfima fração de segundo, só é possível em contextos de altíssima energia, como aqueles que teriam existido logo depois do Big Bang ou os agora alcançados no LHC.

“Não houve, durante esses 45 anos, nenhuma hipótese alternativa que, ao mesmo tempo, conferisse massa às partículas e explicasse a interação entre elas. Trabalhei com isso desde o meu mestrado. Para mim, é um prazer enorme ter participado da detecção do bóson de Higgs em 2012. E ver, agora, mais uma confirmação dessa proposta teórica”, disse Novaes, atualmente no LHC, em Genebra, Suíça.

A afirmação de que o bóson de Higgs confere massa às partículas dá margem, às vezes, a uma interpretação equivocada. O motivo é que se imagina uma partícula entregando massa a outra pontualmente, mas não é disso que se trata.

A melhor ferramenta disponível para descrever esse nível da natureza é a teoria de campos. Nos marcos da mecânica quântica, as partículas não são corpúsculos diminutos, tais como concebidas na Física Clássica. Partículas são excitações do campo. Toda partícula é, na realidade, o quantum de um determinado campo. O fóton é o quantum do campo eletromagnético. O elétron é o quantum do campo do elétron. O bóson de Higgs é o quantum do campo de Higgs. E assim por diante. Segundo o Modelo Padrão, é o campo de Higgs que confere massa às partículas. Ao se manifestarem no espaço, as partículas interagem com ele. E, quanto maior a interação, maior a massa.

Assim, por exemplo, embora sejam idênticos quanto à carga (2/3) e ao spin (1/2), os quarks up e top apresentam enorme diferença de massa. A massa do top é quase 80 mil vezes maior. E isso é proporcional ao seu acoplamento ao campo de Higgs.

“O fato de a constante de acoplamento do bóson de Higgs ser proporcional à massa das partículas com as quais ele se acopla é uma predição universal do Modelo Padrão. Essa predição já havia sido corroborada no caso de partículas mais leves. Agora, o acoplamento com o quark top vem reforçar, ainda mais, a efetividade do modelo na descrição das partículas elementares e de suas interações”, disse Novaes.

A detecção do acoplamento do bóson de Higgs com o quark top decorreu da superação de enormes dificuldades experimentais. Uma dificuldade é que as três partículas resultantes da colisão (o quark top, o antiquark top e o bóson de Higgs) decaem, muito rapidamente, em outros objetos. O quark top decai no bóson W e no quark bottom. O W, por sua vez, decai em outras partículas.

Ora, o quark bottom é um objeto produzido copiosamente em colisões de prótons. Então, um grande desafio é distinguir o quark bottom originado pelo quark top de um pano de fundo extremamente abundante em quarks bottom. Além disso, o bóson de Higgs também decai em vários objetos. Tudo isso em um contexto no qual há cerca de 40 interações ocorrendo ao mesmo tempo.

“O estado final detectado é muito complexo e exige uma engenharia de big data fantástica, para que o sinal de interesse possa ser extraído desse background superabundante. É aquela história de achar umas poucas agulhas no palheiro”, disse Novaes.

E o “palheiro” é realmente colossal. Pois, a cada 25 bilionésimos de segundo, dois feixes, cada qual com 100 bilhões de prótons, colidem durante a atividade do LHC, gerando a maior quantidade de dados já produzida na face da Terra.

A descoberta foi descrita no periódico Physical Review Letters.

Fonte: CERN & Agência FAPESP

domingo, 4 de março de 2018

Medição de alta precisão da massa do bóson W

A ATLAS Collaboration reporta a primeira medida de alta precisão no Large Hadron Collider (LHC) da massa do bóson W.

medição da massa do bóson W

© CERN/ATLAS (medição da massa do bóson W)

A imagem acima mostra um evento candidato de colisões próton-próton no experimento ATLAS: decaimento de um Bosão W para 1 múon (um elétron mais pesado e hiper-relativista) e 1 neutrino originados dos feixes estáveis a 7 TeV. O múon (linha vermelha) tem um momento transverso de 32,8 GeV e a energia transversal em falta é de 52,4 GeV (linha a azul) resultando numa massa transversal de 82,9 GeV no sistema di-leptônico. Foi detectada pouca atividade hadrônica, o que é indicação de pequeno momento transversal do candidato W. O evento foi registado em Junho de 2011 e foi usado para a medição da massa do bóson W.

Esta é uma das duas partículas elementares que medeiam a interação fraca, uma das forças que governam o comportamento da matéria em nosso universo. O resultado relatado fornece um valor de 80.370 ± 19 MeV (com uma precisão instrumental de 0.02%) para a massa do bóson W, o que é consistente com a expectativa do Modelo Padrão de Física de Partículas, a teoria que descreve as partículas conhecidas e suas interações. Note-se que existem três bósons que medeiam a força nuclear fraca, sendo que o bóson W é na realidade dois: o +W e o -W, que se diferenciam apenas pela carga elétrica, e o terceiro é o bóson Z. Um exemplo da força nuclear fraca é a fusão do hidrogênio para um dos seus isótopos estáveis, o deutério.

A medição é baseada em cerca de 14 milhões de bósons W registrados em um único ano (2011), quando o LHC estava funcionando na energia de 7 TeV. Ele corresponde às medidas anteriores obtidas no LEP, o antepassado do LHC no CERN (European Organization for Nuclear Research) e no Tevatron, um antigo acelerador do Fermilab nos Estados Unidos, cujos dados possibilitaram refinar continuamente esta medida nos últimos 20 anos.

O bóson W é uma das partículas mais conhecidas do Universo. A sua descoberta em 1983 coroou o sucesso do síncrotron próton-antipróton do CERN, que conduziu ao Prêmio Nobel de Física em 1984. Embora as propriedades do bóson W tenham sido estudadas há mais de 30 anos, medir sua massa em alta precisão continua sendo um grande desafio.

O Modelo Padrão é muito poderoso para prever o comportamento e determinadas características das partículas elementares e permite deduzir certos parâmetros de outras quantidades bem conhecidas. As massas dos bósons W, o quark top e o bóson de Higgs, por exemplo, estão ligados por relações de física quântica. Portanto, é muito importante melhorar a precisão das medidas de massa do bóson W para entender melhor o bóson de Higgs, refinar o Modelo Padrão e testar sua consistência geral.

Notavelmente, a massa do bóson W pode ser prevista hoje com uma precisão superior à das medidas diretas. É por isso que é um ingrediente fundamental na busca de física nova, pois qualquer desvio da massa medida da predição pode revelar novos fenômenos conflitantes com o Modelo Padrão.

A medição depende de uma calibração completa do detector e da modelagem teórica da produção de bosons W. Estes foram alcançados através do estudo dos eventos do bóson Z e várias outras medidas auxiliares. A complexidade da análise significou que levou quase cinco anos para a equipe da ATLAS alcançar este novo resultado. Uma análise mais aprofundada com a enorme amostra de dados agora disponíveis do LHC permitirá uma maior precisão num futuro próximo.

Um artigo foi publicado no periódico European Physical Journal C.

Fonte: European Organization for Nuclear Research

domingo, 3 de setembro de 2017

Arapuca para detectar fótons

O Arapuca é um equipamento que está em análise e tem grande chance de ser adotado como um dos principais componentes do sistema de fotodetecção do Dune (Deep Underground Neutrino Experiment).

ilustração da interação neutrino e antineutrino

© Fermilab (ilustração da interação neutrino e antineutrino)

O Arapuca foi concebido para detecção de fótons pelos cientistas Ettore Segreto, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Ana Amélia Bergamini Machado, professora do Centro de Ciências Naturais e Físicas, da Universidade Federal do ABC (UFABC).

O Arapuca é uma espécie de armadilha para capturar a luz. Um dos desafios para o sistema de fotodetecção do Dune é que os tanques de argônio onde deverão ocorrer as cintilações são muito grandes e os sensores de luz disponíveis são muito pequenos. Em particular, os sensores de silício que serão utilizados têm uma superfície coletora da ordem de apenas 1 cm². A função do Arapuca é aumentar a área de coleta e aprisionar os fótons coletados dentro de uma caixa, para disponibilizá-los aos sensores.

A interação das partículas geradas pelos neutrinos com o argônio líquido dos grandes tanques produz luz com comprimento de onda de 128 nanômetros. Por meio de um filtro, o comprimento de onda é modificado para 350 nanômetros. Como a janela do Arapuca é transparente para este comprimento de onda, os fótons conseguem entrar. Porém, uma vez lá dentro, um segundo filtro é usado para fazer o comprimento de onda retornar aos 128 nanômetros. E os fótons não conseguem sair, porque a janela é opaca para este comprimento de onda. Aprisionados, eles ficam ricocheteando nas paredes altamente reflexivas da caixa, até serem captados pelos sensores colocados no interior.

Estes filtros, chamados genericamente de deslocadores de comprimento de onda, são constituídos por materiais orgânicos (hidrocarbonetos policíclicos aromáticos) que absorvem fótons em uma banda de frequências e os reemitem em outra. No caso, serão utilizados o para-terfenilo e o tetrafenil butadieno. O Arapuca já foi incorporado ao sistema de fotodetecção do ProtoDune, um protótipo em grande escala do Dune, que está sendo construído e deverá entrar em operação no CERN (European Organization for Nuclear Research) em outubro de 2018. Responsáveis pelo sistema de fotodetecção do ProtoDune, Segreto e Machado encontram-se atualmente no CERN.

A função do ProtoDune é testar todas as soluções tecnológicas que serão utilizadas posteriormente no Dune. O teste não será feito com neutrinos, mas com um feixe de partículas eletricamente carregadas, produzidas por um dos aceleradores do CERN, e apontadas para um detector com cerca de mil toneladas de argônio líquido. Já o Dune utilizará, no total, 70 mil toneladas de argônio líquido, 40 mil das quais comporão o tanque de detecção propriamente dito.

Resumidamente, o acelerador do Fermilab produzirá o mais poderoso feixe de neutrinos já estudado. Este feixe será detectado duas vezes: primeiro, bem perto da fonte, no próprio Fermilab, no estado de Illinois; depois, a 1.300 quilômetros da fonte, no estado de South Dakota.

O segundo detector é o gigante preenchido por 70 toneladas de argônio, mantido em estado líquido por uma refrigeração a –184 ºC. O que ele registrará serão os chuveiros de partículas e luz produzidos quando os neutrinos superenergéticos arrancarem de suas órbitas elétrons dos átomos de argônio. Um dos principais alvos do Dune é comparar, por meio das duas detecções, os padrões de oscilação dos neutrinos e dos antineutrinos. Se estes padrões não forem rigorosamente simétricos, isso fornecerá uma prova concreta da “violação de simetria de carga-paridade” (CPV).

A CPV é um ingrediente fundamental do chamado modelo padrão. E explica por que um Universo que, no início, possuía quantidades idênticas de matéria e antimatéria se transformou em um Universo no qual a matéria é amplamente predominante. Se a composição tivesse se mantido rigorosamente simétrica, matéria e antimatéria teriam se aniquilado. Mas, de acordo com o modelo, a violação de simetria gerou um pequeno excedente de matéria em relação à antimatéria. E foi este excedente que resultou no Universo material.

Além da violação de simetria, os pesquisadores da colaboração internacional esperam poder registrar também, no gigantesco tanque de argônio, um outro fenômeno, que não depende dos neutrinos: o decaimento do próton, previsto pela teoria, porém jamais observado. Se isso ocorrer, e há grande expectativa de que ocorra, o experimento terá proporcionado uma prova empírica da capacidade preditiva de modelos supersimétricos que buscam unificar três das quatro interações conhecidas: eletromagnética, nuclear forte e nuclear fraca.

O terceiro alvo do experimento é o aprimoramento de modelos acerca da formação de estrelas de nêutrons e buracos negros, mediante a observação de neutrinos provenientes do colapso de supernovas.

Fonte: Fermilab

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Uma nova partícula com dois quarks pesados

Hoje, na EPS Conferência sobre Física de Alta Energia em Veneza, o experimento do LHCb no Large Hadron Collider (LHC) do CERN relatou a observação de Ξcc++  (Xicc++) uma nova partícula contendo dois quarks charm e um quark up.

nova partícula com dois quarks pesados e um leve

© CERN (nova partícula com dois quarks pesados e um leve)

A existência desta partícula da família dos bárions era esperada pelas teorias atuais, mas os físicos têm procurado estes bárions com dois quarks pesados ​​por muitos anos. A massa da partícula recém-identificada é de cerca de 3,621 GeV, que é quase quatro vezes mais pesada que o bárion mais familiar, o próton, uma propriedade que surge de seu conteúdo de dois quarks charm. É a primeira vez que esta partícula foi detectada inequivocamente.

Quase toda a matéria que vemos ao nosso redor é feita de bárions, que são partículas comuns compostas por três quarks, os mais conhecidos sendo prótons e nêutrons. Mas existem seis tipos de quarks existentes, e teoricamente, muitas combinações potenciais diferentes podem formar outros tipos de bárions. Os bárions observados até agora são todos feitos, no máximo, com um quark pesado.

Encontrar um bárion de quark pesado é de grande interesse, pois proporcionará uma ferramenta única para investigar ainda mais a cromodinâmica quântica, a teoria que descreve a interação forte, uma das quatro forças fundamentais.

Em contraste com outros bárions, em que os três quarks oscilam um em torno do outro, espera-se que um bárion duplamente pesado atue como um sistema planetário, onde os dois quarks pesados ​​desempenham a função de estrelas pesadas orbitando uma em torno da outra, com o quark mais leve orbitando em torno deste sistema binário.

Medir as propriedades do Ξcc++ ajudará a estabelecer como um sistema de dois quarks pesados ​​e um quark leve se comporta. Podem ser obtidos pontos de vista importantes, medindo precisamente os mecanismos de produção, decaimento e a vida útil desta nova partícula.

A observação deste novo bárion provou ser desafiadora e foi possível devido à alta taxa de produção de quarks pesados ​​no LHC e às capacidades únicas do experimento LHCb, que pode identificar os produtos de decaimento com excelente eficiência. O bárion Ξcc++  foi identificado através de seu decaimento em um bárion Λc+ e três mésons mais leves K-, π+ e π+.

A observação do Ξcc++ no LHCb aumenta as expectativas para detectar outros representantes da família de bárions duplamente pesados. Eles serão agora procurados no LHC.

Um artigo relatando estas descobertas foi submetido ao periódico Physical Review Letters.

Fonte: European Organization for Nuclear Research

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Detectado produção de partículas estranhas

A colaboração internacional ALICE (A Large Ion Collider Experiment) noticiou uma produção abundante de hádrons dotados de quarks estranhos em colisões próton-próton realizadas no LHC (Large Hadron Collider), o grande colisor de partículas localizado na fronteira franco-suíça.

partículas formadas em colisão de núcleos de chumbo

© CERN/LHC (partículas formadas em colisão de núcleos de chumbo)

Foi a primeira vez que estes objetos, observados com crescente frequência nas colisões de núcleos pesados (chumbo-chumbo, ouro-ouro), foram detectados em tão grande abundância também no choque de partículas tão leves quanto o próton.

O estudo teve a participação decisiva de pesquisadores brasileiros, especialmente de David Dobrigkeit Chinellato, do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas, que atuou como coordenador internacional de um dos grupos de trabalho de física do ALICE, o grupo “Light Flavour”. Chinellato é apoiado pela FAPESP por meio do projeto “Produção de estranheza em colisões Pb-Pb na energia de 5,02 TeV no ALICE”.

A produção abundante de hádrons com quarks estranhos é considerada uma espécie de assinatura do plasma de quarks e glúons, um estado extremamente quente e denso da matéria que teria existido durante uma diminuta fração de segundo após o Big Bang e que agora está sendo recriado nos dois grandes colisores de partículas da atualidade, o Large Hadron Collider (LHC), na Europa, e o Relativistic Heavy Ion Collider (RHIC), nos Estados Unidos.

“A grande novidade foi observar esta produção abundante de hádrons com quarks estranhos na colisão de sistemas tão pequenos quanto os prótons,” comentou o físico Alexandre Alarcon do Passo Suaide, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), pesquisador principal do projeto temático “Física nuclear de altas energias no RHIC e LHC”.

A evidência de hádrons com quarks estranhos nas colisões próton-próton, veiculada agora pela colaboração ALICE, sugere que o plasma de quarks e glúons possa ser produzido também no choque destas partículas muito pequenas, e não apenas na colisão de núcleos pesados, chumbo-chumbo (no LHC) ou ouro-ouro (no RHIC), como já se admitia. Mas os pesquisadores consideram prematuro afirmar isso de maneira taxativa.

Esta cautela se justifica, entre outros motivos, pelo fato de o plasma de quarks e glúons não poder ser observado diretamente. Ele é extremamente efêmero. E, nos experimentos realizados no LHC e no RHIC, seu suposto tempo de duração é da ordem de 10-23s, o que impossibilita qualquer observação direta. O que os pesquisadores de fato observam são os objetos que se formam depois que os quarks e os glúons deixam de se movimentar livremente no plasma e voltam a ser encapsulados em hádrons. O experimento é operado a partir de uma sala de controle informatizada, localizada acima da superfície, enquanto o colisor propriamente dito, com 27 quilômetros de circunferência e quatro detectores (ATLAS, CMS, ALICE e LHCb), fica no subterrâneo, a 175 metros abaixo do nível do solo.

O conceito de “estranheza” foi proposto, nos anos 1950, por Murray Gell-Mann, Abraham Pais e Kazuhiko Nishijima, para caracterizar a propriedade que fazia com que certas partículas sobrevivessem por mais tempo do que o esperado. A estranheza, simbolizada pela letra “S”, maiúscula, é uma propriedade física, expressa por meio de um número quântico.

O conceito de quark surgiu mais tarde, já na década de 1960, proposto independentemente por Murray Gell-Mann e George Zweig. E, ao longo dos anos, vários tipos de quarks foram descobertos. Um deles recebeu o nome de “estranho” [strange, em inglês], pelo fato de sua existência oferecer uma explicação para a propriedade da estranheza. O estranho passou a ser simbolizado pela letra “s”, minúscula. É um dos seis quarks reconhecidos pelo Modelo Padrão da Física de Partículas: up [u], down [d], charm [c], strange [s], top [t] e bottom [b]. Sua massa é várias vezes maior do que as do up e do down, que compõem os prótons e os nêutrons.

Os “hádrons estranhos” são partículas maiores, que recebem este nome por conterem ao menos um quark estranho. São objetos fugazes como o Káon, o Lâmbda, o Xi e o Ômega, que se tornaram comuns nos experimentos envolvendo colisões de núcleos pesados, chumbo-chumbo e ouro-ouro.

“Desde os anos 1980, a abundância relativa de hádrons estranhos tem sido apontada como uma possível assinatura da formação do plasma de quarks e glúons em colisões centrais de núcleos pesados. O que o novo estudo mostrou foi que estes objetos também são produzidos em grande abundância em colisões próton-próton quando há uma grande multiplicidade de partículas formadas. A grande multiplicidade de partículas formadas é um indicador do alto patamar de energia alcançado no choque, aproximando-se daquilo que se observa nas colisões centrais núcleo-núcleo”, detalhou o físico Marcelo Gameiro Munhoz, coordenador do projeto temático “Física nuclear de altas energias no RHIC e LHC”.

A formação do plasma de quarks e glúons gera mecanismos que facilitam a produção subsequente de hádrons estranhos. Por isso, a detecção de hádrons estranhos pode ser considerada um indício da formação prévia do plasma de quarks e glúons. Mas poderia haver uma outra explicação, não relacionada com o plasma, para este aumento de partículas estranhas, havendo a necessidade de reinterpretar aquilo que acontece nas colisões núcleo-núcleo.

Fonte: Nature Physics

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Espectro de luz da antimatéria é observado

A experiência ALPHA observa pela primeira vez o espectro de luz da antimatéria.

nuvem de átomos de anti-hidrogênio

© Chukman So (nuvem de átomos de anti-hidrogênio)

A colaboração ALPHA relata a primeira medição sobre o espectro óptico de um átomo de antimatéria. Esta conquista apresenta desenvolvimentos tecnológicos que abrem uma era completamente nova na pesquisa de alta precisão da antimatéria. É o resultado de mais de 20 anos de trabalho da comunidade da antimatéria no CERN.

“Usar um laser para observar uma transição no anti-hidrogênio e compará-la ao hidrogênio para ver se obedecem às mesmas leis da física tem sido sempre um objetivo chave da pesquisa da antimatéria,” declarou Jeffrey Hangst, porta-voz da colaboração da experiência ALPHA.

Os átomos consistem em nuvens de elétrons nos orbitais de um núcleo. Quando os elétrons se movem de uma camada de um orbital para outro, absorvem ou emitem luz em comprimentos de onda específicos, formando o espectro do átomo. Cada elemento tem um espectro único. Em resultado, a espectroscopia é uma ferramenta habitualmente usada em muitas áreas da física, da astronomia e da química. Ajuda a caracterizar átomos e moléculas e os seus estados internos. Por exemplo, na astrofísica, a análise do espectro de luz de estrelas longínquas permite aos cientistas determinar a sua composição.

Com o seu único próton e único elétron, o hidrogênio é o átomo mais abundante, mais simples e melhor compreendido do Universo. O seu espectro foi medido com uma precisão muito elevada. Por outro lado, os átomos de anti-hidrogênio são mal compreendidos.

Dado que o Universo parece consistir inteiramente de matéria, os constituintes dos átomos do anti-hidrogênio (antiprótons e posítrons) têm que ser produzidos e montados nos átomos antes que o espectro do anti-hidrogênio possa ser medido. É um processo cuidadoso, mas vale a pena o esforço, uma vez que qualquer diferença mensurável entre os espectros de hidrogênio e de anti-hidrogênio poderia romper princípios básicos da física e, provavelmente, ajudar a entender o quebra-cabeças da assimetria matéria-antimatéria, o maior desequilíbrio e um dos maiores enigmas do Universo.

O resultado da experiência ALPHA é a primeira observação de uma linha espectral de um átomo de anti-hidrogênio, permitindo que o espectro de luz da matéria e da antimatéria sejam comparados pela primeira vez. Dentro dos limites experimentais, o resultado não mostra diferença em relação à linha espectral equivalente no hidrogênio.

Isso é consistente com o Modelo Padrão de Física de Partículas, a teoria que melhor descreve as partículas e as forças em ação entre elas, que prediz que hidrogênio e o anti-hidrogênio devem ter características espectroscópicas idênticas.

A colaboração ALPHA espera melhorar a precisão de suas medições no futuro. A medição do espectro do anti-hidrogênio com alta precisão oferece uma nova e extraordinária ferramenta para testar se a matéria se comporta de forma diferente da antimatéria e, assim, testar ainda mais a robustez e a fiabilidade do Modelo Padrão.

ALPHA é uma experiência única nas instalações do Antiproton Decelerator no CERN, e é capaz de produzir átomos de anti-hidrogênio e de mantê-los numa armadilha magnética especialmente projetada, manipulando anti-átomos, uns tantos de cada vez. Armadilhar átomos de anti-hidrogênio permite que estes sejam estudados utilizando laseres ou outras fontes de radiação.

“Mover e armadilhar antiprótons ou posítrons é fácil porque são partículas com carga elétrica”, explicou Hangst. “Mas quando se combinam os dois, obtém-se anti-hidrogênio neutro, que é muito mais difícil de capturar, então concebemos uma armadilha magnética muito especial que se baseia no fato do anti-hidrogênio ser ligeiramente magnético.”

O anti-hidrogênio é produzido misturando plasmas de cerca de 90.000 antiprótons do Antiproton Decelerator com posítrons, resultando na produção de cerca de 25.000 átomos de anti-hidrogênio por cada tentativa. Os átomos de anti-hidrogênio podem ser capturados caso estejam se movendo lentamente, quando são gerados.

Usando uma nova técnica pela qual a colaboração empilha anti-átomos resultantes de dois ciclos de mistura sucessivos, é possível capturar em média 14 anti-átomos por ensaio, em comparação com apenas 1,2 com os métodos anteriores. Ao iluminar os átomos presos com um feixe de laser numa frequência sintonizada com precisão, os cientistas podem observar a interação do feixe com os estados internos de anti-hidrogênio.

A medição foi feita observando-se a chamada transição 1S-2S. O estado 2S no hidrogênio atômico é de longa duração, levando a uma largura estreita da linha natural, efeito pelo qual se mostra particularmente adequado para a medição de precisão.

O resultado atual, juntamente com os limites recentes na proporção da massa antipróton-elétrons estabelecida pela colaboração ASACUSA e a relação carga-massa antipróton determinada pela colaboração BASE, demonstram que os testes de simetrias fundamentais com a antimatéria no CERN estão amadurecendo rapidamente.

Um artigo sobre a pesquisa foi publicado na revista Nature.

Fonte: CERN