sábado, 30 de setembro de 2017

Raios cósmicos têm origem extragaláctica

Pesquisadores participantes da colaboração Pierre Auger descobriram que, acima de um determinado nível de energia, estas partículas, que são as mais energéticas da natureza e atingem constantemente a atmosfera terrestre, têm origem extragaláctica.

cascatas de partículas geradas por raios cósmicos

© Pierre Auger (cascatas de partículas geradas por raios cósmicos)

A colaboração Pierre Auger, o maior observatório do mundo dedicado ao estudo e à detecção de raios cósmicos, está localizado na província de Mendoza, na Argentina. O observatório possui esta denominação em homenagem ao físico francês Pierre Auger (1899-1992).

“A chance de essa conclusão ser fruto do acaso é de dois em 100 milhões,” disse Carola Dobrigkeit Chinellato, professora do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (IFGW-Unicamp) e presidente da comissão brasileira no Observatório Pierre Auger.

A partir de dados registrados pelo Observatório entre janeiro de 2004 e agosto de 2016, os pesquisadores observaram que raios cósmicos ultraenergéticos, acima de 8 x 1018 eV (elétrons-volts) chegam em maior número à Terra vindos de um lado do céu.

Esta região no céu de onde vêm mais raios cósmicos ultraenergéticos coincide com a localização de grande parte das galáxias vizinhas da Via Láctea, em um raio de até 700 mil anos-luz.

Esta é uma forte evidência de que os raios cósmicos de altas energias vêm de fora da Via Láctea.

De acordo com os pesquisadores participantes da colaboração, a descoberta contribui não apenas para entender a origem destas partículas ultraenergéticas, como também os mecanismos cósmicos capazes de imprimir tamanha energia a estas diminutas entidades subatômicas, que podem viajar a distâncias de trilhões de quilômetros (anos-luz) através do espaço e chegar à Terra carregando energias extremas.

Núcleos atômicos leves como o do hidrogênio ou pesados como o do ferro, os raios cósmicos chegam à Terra vindos do espaço, a todo instante.

O fluxo destas partículas subatômicas para a Terra, contudo, diminui abruptamente conforme a energia aumenta. As de energia acima de 1018 eV, denominadas ultraenergéticas, como a que os pesquisadores detectaram agora, aparecem na Terra com uma frequência de 1 partícula por quilômetro quadrado (km²) por ano.

Por este motivo, a origem e os mecanismos cósmicos de produção destes raios cósmicos ultraenergéticos, conhecidos há mais de 50 anos, continuam sendo um mistério.

A fim de identificar indícios da origem destas partículas subatômicas de mais alta energia, os pesquisadores membros da colaboração Pierre Auger têm estudado a distribuição de suas direções de chegada à Terra.

Ao atingirem a atmosfera terrestre, a cerca de 10 km a 20 km de altitude, os raios cósmicos ultraenergéticos colidem com núcleos atômicos do ar, como de nitrogênio e oxigênio.

Estas colisões geram centenas ou milhares de outras partículas que seguem rumo ao solo, quase à velocidade da luz (de cerca de 300 mil km por segundo), na forma de cascatas de partículas, chamadas de “chuveiro atmosférico extenso”.

As partículas carregadas no chuveiro excitam as moléculas de nitrogênio no ar, produzindo uma tênue luz azul, que é captada por telescópios de fluorescência do Observatório Pierre Auger durante noites claras.

As partículas também são registradas por 1.660 detectores de superfície do observatório. Espalhados por uma área de 3 mil km2, em uma região plana ao lado dos Andes, os detectores, que operam ininterruptamente, consistem em tanques de polietileno, preenchidos com 12 mil litros de água ultrapurificada e instrumentalizados com sensores fotomultiplicadores.

Quando as partículas de um chuveiro atmosférico atravessam a água no interior do tanque é emitida luz, chamada radiação Cherenkov, que pode ser medida nos sensores.

Com base na análise destes dois tipos de luz, entre outros dados, é possível extrair diversas informações sobre o raio cósmico (dito primário) que iniciou a cascata de partículas no alto da atmosfera.

Fonte: Science

domingo, 3 de setembro de 2017

Arapuca para detectar fótons

O Arapuca é um equipamento que está em análise e tem grande chance de ser adotado como um dos principais componentes do sistema de fotodetecção do Dune (Deep Underground Neutrino Experiment).

ilustração da interação neutrino e antineutrino

© Fermilab (ilustração da interação neutrino e antineutrino)

O Arapuca foi concebido para detecção de fótons pelos cientistas Ettore Segreto, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Ana Amélia Bergamini Machado, professora do Centro de Ciências Naturais e Físicas, da Universidade Federal do ABC (UFABC).

O Arapuca é uma espécie de armadilha para capturar a luz. Um dos desafios para o sistema de fotodetecção do Dune é que os tanques de argônio onde deverão ocorrer as cintilações são muito grandes e os sensores de luz disponíveis são muito pequenos. Em particular, os sensores de silício que serão utilizados têm uma superfície coletora da ordem de apenas 1 cm². A função do Arapuca é aumentar a área de coleta e aprisionar os fótons coletados dentro de uma caixa, para disponibilizá-los aos sensores.

A interação das partículas geradas pelos neutrinos com o argônio líquido dos grandes tanques produz luz com comprimento de onda de 128 nanômetros. Por meio de um filtro, o comprimento de onda é modificado para 350 nanômetros. Como a janela do Arapuca é transparente para este comprimento de onda, os fótons conseguem entrar. Porém, uma vez lá dentro, um segundo filtro é usado para fazer o comprimento de onda retornar aos 128 nanômetros. E os fótons não conseguem sair, porque a janela é opaca para este comprimento de onda. Aprisionados, eles ficam ricocheteando nas paredes altamente reflexivas da caixa, até serem captados pelos sensores colocados no interior.

Estes filtros, chamados genericamente de deslocadores de comprimento de onda, são constituídos por materiais orgânicos (hidrocarbonetos policíclicos aromáticos) que absorvem fótons em uma banda de frequências e os reemitem em outra. No caso, serão utilizados o para-terfenilo e o tetrafenil butadieno. O Arapuca já foi incorporado ao sistema de fotodetecção do ProtoDune, um protótipo em grande escala do Dune, que está sendo construído e deverá entrar em operação no CERN (European Organization for Nuclear Research) em outubro de 2018. Responsáveis pelo sistema de fotodetecção do ProtoDune, Segreto e Machado encontram-se atualmente no CERN.

A função do ProtoDune é testar todas as soluções tecnológicas que serão utilizadas posteriormente no Dune. O teste não será feito com neutrinos, mas com um feixe de partículas eletricamente carregadas, produzidas por um dos aceleradores do CERN, e apontadas para um detector com cerca de mil toneladas de argônio líquido. Já o Dune utilizará, no total, 70 mil toneladas de argônio líquido, 40 mil das quais comporão o tanque de detecção propriamente dito.

Resumidamente, o acelerador do Fermilab produzirá o mais poderoso feixe de neutrinos já estudado. Este feixe será detectado duas vezes: primeiro, bem perto da fonte, no próprio Fermilab, no estado de Illinois; depois, a 1.300 quilômetros da fonte, no estado de South Dakota.

O segundo detector é o gigante preenchido por 70 toneladas de argônio, mantido em estado líquido por uma refrigeração a –184 ºC. O que ele registrará serão os chuveiros de partículas e luz produzidos quando os neutrinos superenergéticos arrancarem de suas órbitas elétrons dos átomos de argônio. Um dos principais alvos do Dune é comparar, por meio das duas detecções, os padrões de oscilação dos neutrinos e dos antineutrinos. Se estes padrões não forem rigorosamente simétricos, isso fornecerá uma prova concreta da “violação de simetria de carga-paridade” (CPV).

A CPV é um ingrediente fundamental do chamado modelo padrão. E explica por que um Universo que, no início, possuía quantidades idênticas de matéria e antimatéria se transformou em um Universo no qual a matéria é amplamente predominante. Se a composição tivesse se mantido rigorosamente simétrica, matéria e antimatéria teriam se aniquilado. Mas, de acordo com o modelo, a violação de simetria gerou um pequeno excedente de matéria em relação à antimatéria. E foi este excedente que resultou no Universo material.

Além da violação de simetria, os pesquisadores da colaboração internacional esperam poder registrar também, no gigantesco tanque de argônio, um outro fenômeno, que não depende dos neutrinos: o decaimento do próton, previsto pela teoria, porém jamais observado. Se isso ocorrer, e há grande expectativa de que ocorra, o experimento terá proporcionado uma prova empírica da capacidade preditiva de modelos supersimétricos que buscam unificar três das quatro interações conhecidas: eletromagnética, nuclear forte e nuclear fraca.

O terceiro alvo do experimento é o aprimoramento de modelos acerca da formação de estrelas de nêutrons e buracos negros, mediante a observação de neutrinos provenientes do colapso de supernovas.

Fonte: Fermilab