terça-feira, 19 de abril de 2016

Uma maneira de sondar o reino quântico

Em 1930, o físico teórico alemão Werner Heisenberg introduziu um experimento de reflexão, agora conhecido como microscópio de Heisenberg, para tentar mostrar por que é impossível medir a localização de um átomo com precisão ilimitada.

sondando o reino quântico

© Revista Física (sondando o reino quântico)

Heisenberg tentou medir a posição de algo como um átomo, atirando luz nele. A luz viaja como uma onda, e Heisenberg sabia que diferentes comprimentos de onda poderia dar-lhe diferentes graus de confiança quando usado para medir onde algo está no espaço. Comprimentos de onda curtos podem fornecer uma medição mais precisa do que os longos, com o intuito de usar a luz com um pequeno comprimento de onda para medir a estrutura de um átomo. Mas há um problema: a luz também carrega momentum, e comprimentos de onda curtos carregam mais força do que os longos.
Isso significa que se for utilizada a luz com um comprimento de onda curto para encontrar o átomo, incidirá no átomo uma força com todo esse ímpeto, que irá chutá-lo ao redor e mudará completamente a sua localização (e outras propriedades) no processo. Usar comprimentos de onda mais longos, o átomo se moverá menos, mas também sua medição será mais incerta.

Isso é um dilema: qualquer medição muda o que você está medindo, e melhores medições conduz à mudanças maiores.

Também é possível preparar átomos num estado emaranhado, o que significa que eles agem cooperativamente como um único átomo, não importa o quão longe eles estão uns dos outros. Ao empurrar um, o restante se movimenta como se tivesse empurrado individualmente. E se um átomo se desordenar, ao lançar um pouco de luz nele, geralmente toda a coleção será desordenada.

No passado, estes dois efeitos tornaram impossível medir como os átomos emaranhados estão organizados sem destruir o arranjo e o emaranhamento, que presumivelmente foram preparados para algum propósito específico, como a construção de um computador quântico.

Mas agora, os físicos liderados por T. J. Elliott, da Universidade de Oxford, no Reino Unido propuseram uma maneira de medir as propriedades em grande escala de um grupo de átomos entrelaçados sem estragar o emaranhamento. Não é medir átomos individuais, que é permanentemente fora dos limites, mas é mais do que os físicos conseguiram fazer antes.

Normalmente, quando os átomos são emaranhados, têm que ter cuidado inicialmente para que os átomos são todos mais ou menos iguais. Se existirem muitos tipos diferentes de átomos, eles se tornam muito mais difícil de igualar-se, portanto, o entrelaçamento torna-se mais frágil.
Mas ainda é possível tornar os grupos estáveis ​​de átomos entrelaçados que têm alguns valores discrepantes entre eles. Os pesquisadores demonstraram que estes valores atípicos podem ser usados para medir aspectos sobre o grupo principal sem desordenar o seu emaranhamento.

Isso inclui informações muito básicas, como a densidade de ocupação dos átomos, enquanto eles estão emaranhados, que historicamente tem sido fora do alcance dos físicos nas experiências individuais.

Antes, os físicos tiveram que medir um grupo inteiro dos átomos emaranhados muito rapidamente, admitindo que eles estavam a alterando as propriedades ao redor, assim que era medido esse primeiro átomo. Mais medições podem verificar mais átomos, mas elas estariam cada vez mais incertas ao longo do tempo.

É óbvio, medições ainda mudam as propiedades um pouco, pois a luz ainda está sendo utilizada e o microscópio de Heisenberg ainda  está sendo aplicado, mas as medições não vão destruir todo o sistema, como eles fariam antes.

Este método de medição dos valores extremos é uma janela num novo reino para os físicos, que podiam anteriormente só ver o que  átomos emaranhados faziam, não o que eles estão fazendo.

Os pesquisadores simulou um sistema simples mostrando matematicamente que isso deve funcionar com uma ampla gama de sistemas quânticos onde o emaranhamento desempenha um papel fundamental. E pequenas alterações no método pode torná-lo possível medir as propriedades como a magnetização de átomos emaranhados, em vez de apenas a sua densidade.

Fonte: Physical Review A

Cristal líquido descrito pela Relatividade

Pesquisadores brasileiros e norte-americanos acabam de resolver um quebra-cabeça que há um século desafiava os físicos.

simulação da superfície de um cristal líquido esmético

© PRL (simulação da superfície de um cristal líquido esmético)

O grupo utilizou simulação computacional para explicar a microestrutura dos cristais líquidos esméticos. Trata-se de uma fase do material na qual as moléculas se dispõem em centenas de camadas curvas igualmente espaçadas, separadas umas das outras por distâncias nanométricas.

Em cada camada, as moléculas podem se movimentar livremente, como nos líquidos. Mas, em cada região do material, as camadas apresentam um ordenamento espacial, como ocorre com esferas concêntricas. Diferentes conjuntos de camadas eventualmente se interceptam, produzindo “defeitos”. Estes, com frequência, apresentam a forma de segmentos de elipses, parábolas ou hipérboles – curvas que, desde a Antiguidade, são chamadas de “cônicas”, pelo fato de poderem ser geradas pela intersecção de um cone por um plano.

Assim, quando confinado entre duas lâminas e observado ao microscópio, o cristal líquido esmético tem a aparência de um mosaico, cujas partes componentes são delimitadas por segmentos de cônicas.

“Esses padrões cônicos vinham sendo estudados há mais de um século, a partir do trabalho pioneiro do físico e mineralogista francês Georges Friedel (1865 – 1933), realizado em 1910. Foi ele quem deduziu que, para formar tais padrões ao ser confinado entre as lâminas do microscópio, o cristal líquido esmético precisava ser constituído por camadas igualmente espaçadas de moléculas”, disse Danilo Barbosa Liarte, primeiro autor do artigo e atualmente trabalhando na Cornell University, nos Estados Unidos.

“O grande desafio era entender como seria possível preencher o espaço com essas cônicas. Conseguimos solucionar o problema fazendo uma analogia entre a estrutura dos cristais líquidos esméticos e a estrutura das martensitas, uma fase cristalina do aço”, afirmou o pesquisador.

Assim chamadas em homenagem ao metalurgista alemão Adolf Martens (1850 – 1914), as martensitas também apresentam uma estrutura peculiar, combinando regiões de deformação e orientação distintas. E é isso que lhes confere uma dureza muito superior às de outras formas de aço. Mas é importante ressaltar que os cristais líquidos esméticos e as martensitas são materiais completamente diferentes. O que têm em comum são suas microestruturas, na qual coexistem diversas configurações compatíveis de baixa energia.

As linhas cônicas que aparecem no cristal líquido esmético são chamadas de “defeitos” porque ocorrem nos locais em que um determinado conjunto de camadas moleculares concêntricas é interrompido e as moléculas contíguas situadas além da linha se apresentam dispostas em outro conjunto. Os defeitos são as intersecções entre esses dois conjuntos. E os conjuntos distintos constituem as variantes do cristal líquido esmético.

“Por analogia com as martensitas, essas variantes podem ser pensadas como deformações de uma estrutura básica. No caso das martensitas, a célula unitária se deforma ao longo de uma das três direções – comprimento, largura e altura. E cada deformação define uma variante. As diversas variantes se combinam segundo um princípio de mínima energia, sujeito às condições de contorno”, explicou Liarte.

Porém existe uma importante diferença que torna o estudo dos esméticos muito mais desafiador do que o estudo das martensitas. É que, no caso das martensitas, as configurações de baixa energia podem ser descritas como simples rotações tridimensionais das variantes cristalinas. Porém, no caso dos esméticos, os mínimos de energia podem ser produzidos também por outros tipos de transformações. E foi em relação a esse tópico que Liarte e colegas deram sua contribuição mais interessante, ao utilizarem as transformações de Lorentz para fazer a passagem de uma variante a outra.

Estabelecidas pelo físico holandês Hendrik Lorentz (1853 – 1928), as transformações de Lorentz são um conjunto de equações que descrevem como as medidas de espaço e tempo se alteram quando realizadas em sistemas de referência inerciais diferentes. Utilizadas posteriormente por Einstein, essas equações constituem o arcabouço matemático da teoria da relatividade especial, publicada em 1905.

“Um dos nossos colaboradores, Randall Kamien, da University of Pennsylvania, deduziu recentemente que os diferentes conjuntos de camadas do esmético podiam ser relacionados uns com os outros pelas mesmas equações da relatividade especial, com a condição de se substituir a variável tempo (t) das transformações de Lorentz por uma grandeza que conta o número de camadas do cristal líquido. Essas equações permitem descrever, por exemplo, as mudanças de excentricidade entre as diversas cônicas”, informou Liarte.

Para descrever todas as variantes possíveis, os pesquisadores utilizaram quatro tipos de transformações: rotações, translações, dilatações e transformações de Lorentz. Esses quatro tipos de transformações compõem a chamada invariância de Weyl-Poincaré, que contém todas as formas de simetria da relatividade especial.

O artigo comunicando o resultado é a capa da edição de 8 de abril de 2016 da revista Physical Review Letters: “Weirdest martensite: smectic liquid crystal microstructure and Weyl-Poincaré invariance”.

Fonte: FAPESP (Agência)