quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Partícula feita apenas de força nuclear forte

Há décadas, os cientistas procuram pelas chamadas “glueballs”. Parece que, enfim, acharam.

nucleons e glueball

© TU WIEN (nucleons e glueball)

A imagem acima mostra, à esquerda, nucleons que consistem de quarks (partículas de matéria) e glúons (partículas de força), e à direita, uma glueball que é constituída apenas de glúons.

Uma glueball é uma partícla exótica feita inteiramente de glúons, as partículas “pegajosas” que mantém juntas as partículas nucleares. As glueballs são instáveis e só podem ser detectadas indiretamente, por meio da análise de seu decaimento. No entanto, esse processo de decaimento ainda não é totalmente compreendido.

O Professor Anton Rebhan e Frederic Brünner da Universidade Técnica de Viena (TU Wien), na Áustria, empregaram uma nova abordagem teórica para calcular o decaimento de uma glueball. Seus resultados coincidem extremamente bem com dados obtidos em experiências em aceleradores de partículas. Há fortes indícios de que uma ressonância, chamada “f0(1710)”, encontrada em várias experiências, seja de fato a tão procurada glueball. Em poucos meses devem sair novos resultados experimentais.

Prótons e nêutrons consistem de partículas ainda mais elementares, chamadas quarks. Esses quarks são ligados pela Força Nuclear Forte. Na física de partículas, toda força é mediada por um tipo especial de partícula e a partícula da força nuclear forte é o glúon.

Os glúons podem ser encarados como versões mais complexas do fóton. Os fótons sem massa são os responsáveis pelas interações eletromagnéticas, enquanto que oito tipos diferentes de glúons desempenham uma função similar para a força nuclear forte. No entanto, existe uma importante diferença: os glúons interagem com eles mesmos, enquanto os fótons, não.  Por isso não existem fótons no estado ligado, mas uma partícula composta somente de glúons é, de fato, possível.

Em 1972, pouco depois que a teoria de quarks e glúons foi formulada, os físicos Murray Gell-Mann e Harald Fritsch especularam sobre possíveis partículas compostas somente de glúons (originalmente chamadas de “gluonium”; atualmente chamadas de “glueball”). Várias partículas, encontradas em experiências em aceleradores de partículas, foram consideradas como candidatas viáveis para glueballs, porém nunca houve um consenso científico sobre se esses sinais seriam ou não uma dessas misteriosas partículas feitas inteiramente de partículas de força. Os sinais detectados poderiam ser, ao invés de uma glueball, uma combinação de quarks e antiquarks. As glueballs são efêmeras demais para serem diretamente detectadas. Se elas existirem, teriam que ser identificadas pelo estudo de seu decaimento.

“Infelizmente, o padrão de decaimento das glueballs não pode ser calculado com rigor”, lamenta Anton Rebhan. Cálculos com modelos simplificados mostraram que há dois candidatos realísticos para glueballs: os mésons chamados f0(1500) e f0(1710). Por muito tempo, o primeiro foi considerado o candidato mais promissor. O segundo tem uma massa maior, o que concorda mais com as simulações computadorizadas, porém, quando decai, produz muitos quarks pesados, denominados quarks strange. Para muitos cientistas de partículas, isto parecia implausível, porque as interações dos glúons não fazem, usualmente, distinção entre quarks mais leves e mais pesados.

Anton Rebhan e seu estudante de PhD, Frederic Brünner, deram um grande passo à frente na solução desse enigma, usando uma abordagem diferente. Existem conexões fundamentais entre as teorias quânticas que descrevem o comportamento das partículas em nosso mundo tridimensional e certos tipos de teorias gravitacionais em espaços com mais dimensões. Isso significa que certas questões de física quântica podem ser respondidas, se usarmos ferramentas da física da gravidade.

“Nossos cálculos mostram que é efetivamente possível que as glueballs decaiam preferencialmente em quarks strange”, afirma Anton Rebhan. Surpreendentemente, o padrão de decaimento calculado, em duas partículas mais leves, é extremamente concordante com o padrão de decimento medido para o f0(1710). Além disto, outros decimentos em mais de duas partículas são possíveis. Esses padrões de decaimento também foram calculados.

Até agora, esses decaimentos alternativos para as glueballs não foram medidos, porém, dentro dos próximos meses, novos dados serão obtidos em duas experências do LHCb e TOTEM no Large Hadron Collider (LHC) do CERN e um acelerador em Beijing (BESIII). “Esses resultados serão cruciais para nossa teoria”, diz Anton Rebhan. “Para esses processos multi-partículas, nossa teoria prevê taxas de decaimento muito diferentes dos outros modelos mais simples. Se as medições concordarem com nossos cálculos, isto será um notável sucesso para nossa abordagem”. Seria um indício definitivo de que o méson f0(1710) é mesmo uma glueball. E, mais do que isso, será demonstrado que uma gravidade em número superior de dimensões pode ser utilizada para responder questões da física de partículas, de uma forma que significaria mais um enorme sucesso para a Teoria da Relatividade Geral de Einstein que completa 100 anos no próximo mês.

Um artigo foi publicado na revista Physical Review Letters.

Fonte: Technische Universität Wien

terça-feira, 6 de outubro de 2015

A metamorfose do neutrino

O Prêmio Nobel de Física de 2015 foi concedido a Arthur B. McDonald, 72, da Queen's University, do Canadá, e Takaaki Kajida, 56, da Universidade de Tóquio, no Japão pela descoberta de que os neutrinos, um tipo de partícula elementar, mudam de classe e possuem massa.

evento da detecção de neutrinos

© U. de Tóquio/Super-Kamiokande (evento da detecção de neutrinos)

Os dois pesquisadores dividem os 8 milhões de coroas suecas (US$ 963 mil) do prêmio. Ambos trabalharam em experimentos importantes para detectar e estudar essas partículas, muito difícieis de capturar por não possuírem carga elétrica e terem massa extremamente leve.

O estudo de neutrinos que se deslocam no espaço e atravessam a Terra como fantasmas era um quebra-cabeça para a física antes dos trabalhos de McDonald e Kajida. Físicos acreditavam que essas partículas, prduzidas no Sol e por raios cósmicos que incidem sobre a atmosfera terrestre, estavam sumindo durante a trajetória, pois boa parte delas não estava sendo detectada.

Neutrinos são as partículas elementares conhecidas mais numerosas do Universo depois dos fótons, as partículas de luz, e chegam à Terra vindas de todos os lados. Nossos corpos são atravessados por trilhões deles a cada segundo.

Cientistas haviam calculado quantas das partículas solares deveriam chegar à Terra, mas os primeiros experimentos de detecção só acharam um terço dos neutrinos esperados, e os físicos não sabiam por quê. Neutrinos produzidos na atmosfera também pareciam estar desaparecendo. Isso desafiava princípios básicos da física, porque partículas elementares não somem sem deixar pista.

Elaborando experimentos sofisticados com detectores ultrassensíveis em cavernas profundas para evitar interferências externas, Kajida e McDonald levaram à detecção das partículas desaparecidas. Os neutrinos estavam, na verdade, mudando de um tipo para outro, o que dificultava a investigação. O problema é que os neutrinos produzidos no Sol, por exemplo, são de uma classe específica, associada aos elétrons, as partículas de carga negativa nos átomos.

Os experimentos dos dois físicos ganhadores do Nobel de 2015 mostraram que os neutrinos do elétron também poderiam se transformar em "neutrinos do tau" ou "neutrinos do múon", associados a outras partículas elementares. Uma implicação disso era que essas partículas possuem massa, algo que não era esperado.

O experimento no qual Kajida trabalhou foi o Super-Kamiokande, um conjunto de dectores de 40 metros de altura construído numa mina de zinco a 1 km de profundidade. Esse projeto, perto de Tóquio, estudava neutrinos produzidos por raios cósmicos na atmosfera terrestre.

Takaaki Kajita & Arthur B. McDonald

© K. MacFarlane (Takaaki Kajita & Arthur B. McDonald)

McDonald trabalhou no Observatório de Neutrinos de Sudbury, que estudava neutrinos produzidos pelo Sol. O projeto consistia em detectores instalados dentro de uma caverna aberta por uma mina de níquel no estado canadense de Ontario, a 2 km de profundidade.

A confirmação de que neutrinos têm massa contrariava aquilo que era sugerido pelo Modelo Padrão, a teoria vigente da física de partículas, sugerindo que ele não é uma descrição completa da física fundamental. Antes disso, acreditava-se que os neutrinos fossem entidades sem massa, como os fótons.

Esta descoberta trata de uma física que está além do Modelo Padrão.

Agora, os experimentos continuam em intensa atividade em todo o mundo, a fim de capturar neutrinos e examinar suas propriedades. Novas descobertas sobre os seus segredos mais profundos são esperados para mudar nossa compreensão atual da história, estrutura e destino futuro do Universo.

Fonte: The Royal Swedish Academy of Sciences